Dydha Lyra
Calmo estás agora,
meu Rio Canhoto,
e de ti já não tenho medo.
Sabes, meu rio,
dia desses,
sob um céu plúmbeo e friorento,
saíste de tua habitual placidez.
E, assim como nós humanos,
quando tomados de cólera e desatinos,
cometeste inconsequentes temeridades,
arrastando, de um jeito torpe e incônscio,
tudo que obstruía
teu caminhar de rio...
E mostraste o quão forte és.
Deste-nos a certeza
de teu temperamento cíclico
e incognoscíveis momentos.
Ademais,
não te condeno, meu rio,
também sou assim...
Quando foste agredido em teu leito maior,
assoreado pela ganância descomedida do progresso,
devolveste com a mesma moeda,
e revelaste a face quase desconhecida,
ou esquecida,
de tua indignação,
ao longo de todos esses anos.
Tu,
assim como eu, meu rio,
quantas e tantas vezes nos reprimimos,
ao sermos envilecidos em nossos mais primitivos
desejos de liberdade...
Transformamo-nos, então,
e ficamos, destarte,
transfigurados,
a cometer
os mais incoerentes desvarios...
(São próprias da natureza humana
essas singularidades.)
Por tudo isso,
recebas, meu rio,
minha compaixão,
e me aconchegues outra vez no teu leito,
sobre tuas pedras mornas,
que exalam de tuas fendas musguentas
um hálito ainda matinal,
atenuado no entardecer
lânguido,
lajense.
Sou, pois,
teu irmão,
teu viço,
teu remoinho,
tua tiborna;
teu espírito cristalizado
reluzente sob o sol
e sobre as pedras,
de dualismo transparente
nos olhos d’agua da mãe serra;
ou, simplesmente,
redemoinho barrento,
turvo,
impenetrável,
na tua infatigável
ira de ser.
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Um comentário:
Dydha, parabéns por sua belíssima inspiração. "Rio Canhoto II" é de uma imensurável beleza. Você é, sem favor, um dos maiores poetas alagoanos. Um abraço da amiga e admiradora Arlene.
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